Sem extremismos a vida é mais fácil.
Encontrei esta entrevista com o Monge Genshô, que aborda de maneira simples a opção de cada um sobre coisas da vida, buscando consciência naquilo que faz.
A entrevista original está no blog Vegetarianismo e Ética:
Entrevista com o Monge Genshô
Abaixo a íntegra do texto:
Publicado por мαℓυ™®.
O senhor come carne? Os monges devem ser vegetarianos?
Sou vegetariano. Nos mosteiros a tradição budista é vegetariana. Mas a abordagem não é tão simples. O foco do budismo é o sofrimento, devemos tentar diminuir o sofrimento que causamos ao viver. Mas quando um monge é convidado a uma casa come o que lhe oferecem sem nada dizer. Quando mendiga e recebe comida também. Manter uma mente discriminativa e orgulhosa, achando-se superior por não comer carne é visto como uma atitude não compassiva. Na verdade eu ainda não consigo comer carne sem pensar, isto é uma falha minha e espero um dia ter atingido o ponto do mestre zen que mendigando recebeu comida de um portador de hanseníase (lepra), o polegar apodrecido do homem caiu em sua tigela, ele comeu sem pestanejar… Este era realmente um grande mestre zen.
De vez em quando, ouço que os monges budistas não comem peixe. O que me diz sobre este assunto?
Bobagem. Os monges não comem carne de nenhuma espécie dentro dos mosteiros. Nos mosteiros, não se matam animais para comer. Os monges não devem aceitar que se mate um animal especialmente para eles. Mas devem aceitar, sem protestar ou manifestar preferência, qualquer coisa que lhes seja oferecida pronta, inclusive qualquer tipo de carne.
Como se sente aquele que é vegetariano e budista em relação a uma criança passando fome?
A pergunta tem sentido, mas precisamos aprofundar.
Podemos perceber que qualquer ampliação do eu em direção ao mais abrangente é um ganho de consciência. A prática é a ampliação, não importa onde começa: importa seu processo de expansão, porque uma vez iniciado abrangerá cada criança faminta e ser sofredor sem distinção.
Se alguém sente compaixão, ela será em todos os casos uma ampliação. Para alguns, a compaixão
vai somente até os limites de seu próprio corpo. Para outros, abrange o seu próximo. Para a maioria, restringe-se àquilo que se vê; se não estiver vendo não se condói. Para outros, até os limites das fronteiras de seu país, de sua raça. É etnocêntrica e cessa com os diferentes; é fácil ver tais limites em ação nas guerras tribais e religiosas.
É muito difícil conhecer alguém que vê toda a humanidade como objeto de seus sentimentos. Para quase todos, a compaixão tem os limites da espécie humana, e não lhe dói um cavalo escravizado e o chicote que zumbe à frente da carroça. Tampouco os matadouros em que as ‘Auchwitz’ de animais funcionam. Para quem o planeta e suas pedras torturadas doem? E a finitude das estrelas entristece?
A dor por alguém de nossa espécie não desqualifica a compaixão por um animal, apenas demonstra até onde vai o limite da consciência. Quantos são incapazes de matar, mas permitem ou pagam para que outrem o faça? São mandantes e não se creem cruéis porque não agiram por suas mãos, apenas outorgaram procuração.
Quantos dizem não gostar de política, e deixam de influir nos destinos de seu povo deixando que outros decidam tudo por eles? Deixam que os outros decidam, até mesmo, os destinos das crianças de quem se apiedam, mas evitam olhar.
Assim, repita-se: qualquer ampliação do eu em direção ao mais abrangente é um ganho de consciência. Por esta razão, o voto do bodisatva fala em todos os seres sencientes como objeto da prática. Falharemos nesta incorporação inevitavelmente.
Mas ao fim, como ocorre com alguns monges que conheço, nenhum país, nem pessoa , nem comunidade, estará fora de seu objetivo. Essas pessoas percorrem o mundo em um permanente esforço de ampliação da compreensão para libertar todos os seres do sofrimento, por todos os meios possíveis, sacrificando, até o limite, seus próprios corpos. Isso porque sua compaixão quer abranger tudo que puder tocar.
Aí não há mais distinções estreitas para a mente iluminada, homem, criança, animal, ou rios e pedras.
Mas ao fim e ao cabo, a compreensão final mostrará a ilusão que mesmo o sofrimento carrega. É ilusão, mas dói naqueles que nela estão mergulhados. Por isso, os bodisatvas permanecem no mundo tentando acordar os seres até que este tempo cósmico se esgote. Eles sabem que o bem e o mal não existem, nem o certo nem o errado, nem a dor. Mas, para quem a sente, ela é angustiante e é uma alegria libertar qualquer ser de seu grilhão.
Já li várias vezes que não é recomendável uma dieta alimentar baseada em carnes, visto que algum ser vivo foi sacrificado para saciar nossa fome. Eu não como carne, mas fico pensando: será que nos alimentarmos com vegetais também não é uma forma discutível, já que as plantas também são formas devida? Se isso se confirma, praticamente não sobra nada. Como isso pode ser? Há como escapar desse ciclo?
Pergunta muito frequente. Resumindo:
1) O budismo não é em si vegetariano;
2) Em geral, a prática recomenda diminuir o sofrimento que causamos, já que é impossível viver sem causar sofrimento;
3) Nos mosteiros zen, a prática é uma comida sem matar animais de nenhum tipo. Em decorrência disso, muitos budistas são vegetarianos. Mas isso é prática pessoal, que cada um pode adotar se estiver inclinado a tanto;
4) Se um monge zen recebe carne para comer, ele nada diz e come. Se alguém diz que vai matar um animal para servi-lo, ele pede que não o faça;
5) Achar-se superior por não comer carne é visto como um erro de orgulho, falar sobre isso é discriminar.
O vegetarianismo de alguns budistas não é radicalismo? Afinal, quando comemos alfaces não as matamos?
É verdadeiro que a vida vive da vida. É impossível viver sem causar sofrimento. Como você deve ter notado no texto que citou do Lama Padma Santem, ele diz “budistas comem de tudo, mas no centro temos uma dieta vegetariana”. Eu o conheço muito bem e já comemos lado a lado muitas vezes. A idéia não é radical, é de que podemos diminuir o sofrimento já que estamos sempre causando o mesmo. Pelo menos no meu caso, não digo o que é certo ou errado. No zen não se pode fazer esta distinção.
Os que comem carne estão certos; os que não comem por compaixão aos seres que têm sistema nervoso(diferentes de alfaces) estão apenas sentindo a dor dos outros seres, tentando diminuir o sofrimento inevitável que viver causa. Estão, à sua maneira, certos também.
É apenas sua condição cármica que os faz sentir assim. Outros nada sentem quando caçam, por exemplo. Trata-se de sua condição mental. Por essa razão, você verá tantas atitudes como as do Lama, ou as dos mestres zen que aceitam comer carne quando lhes oferecem, mas que, em suas casas, praticam um vegetarianismo sem exibições.
Quanto ao fato de se verem os ocidentais como praticantes mais zelosos, os mestres orientais têm observado, pelo menos no zen, que um dia se virá do oriente para aprender no ocidente um budismo revitalizado. Trata-se da degenerescência natural que as escolas sofrem e da qual o próprio Buda falou.
Sim, todas as práticas têm a ver com religião, são os métodos de que ela se utiliza. Espero que você compreenda que não se trata de radicalismo.
Existe diferença entre matar um animal para comer, ou colher uma alface?
Procure mudar o foco para o sofrimento e não apenas para a palavra matar, que tem um significado mais simples. Quando você corta cabelos, ácaros podem se alimentar deles, bactérias idem. Você sofre quando seus cabelos cortados são consumidos? Não, porque não possuem um sistema nervoso como outras partes do corpo. Seria muito diferente se lhe cortassem um dedo para ser consumido. Assim, existe diferença entre uma folha de alface e um ganso de foie gras, torturado para produzir uma iguaria. Assim, considerando a dor que seus atos causam, você pode ver melhor as marcas cármicas que eles produzem.
No Dharma
Genshô
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